Com o início do júri da Kiss na última quarta-feira, começaram os testemunhos e depoimentos do que deve ser o maior júri popular da história do Rio Grande do Sul. Nos dois primeiros dias, seis pessoas foram ouvidas, cinco vítimas e uma testemunha - esta última sendo o engenheiro responsável pelo projeto acústico da boate.
Confira abaixo os destaques das falas nos dois primeiros dias de julgamento:
style="width: 100%;" data-filename="retriever">
Foto: Reprodução (TJRS)
Kátia Giane Pacheco Siqueira é ex-funcionária da boate e trabalhava no bar na noite da tragédia. Ela foi a primeira a falar e seu depoimento durou cerca de quatro horas e meia.
- - Era um labirinto. Eu mesma, que trabalhava lá, não consegui sair - ao ser questionada sobre a estrutura da boate.
- - Quanto mais pessoas tivessem dentro da boate, melhor. Tanto pela parte da casa, de querer ter mais movimento, quanto da parte dos adolescentes. Se estava lotada, era sinal de que a festa estava boa. - sobre a lotação dentro da casa noturna.
- - Eu estava na cozinha e a luz caiu. Eu escutava gente gritando "fogo" e gente gritando que era briga. Na hora, eu não enxergava nada. Quando senti que era fogo, eu me desesperei. Eu estava com outra menina, a Janaiana, que acabou morrendo. Eu tentava sair pela porta da frente, e as pessoas ficavam empurrando no sentido contrário. - sobre o momento que o incêndio iniciou.
- - Mas, toda vez que ia na consulta, me perguntavam sobre o acidente. Só que, em vez de melhorar, eu regredia. Coloquei na cabeça que não iria pensar no assunto, não assistia mais reportagens da boate. Quando me perguntavam das queimaduras (ela teve 40% do corpo queimado), eu falava que era só um acidente. O que me preocupou mesmo foi ter que testemunhar agora, relembrar tudo de novo. Eu estou aqui chorando e pensando na minha filha, que está na barriga, e que está sentindo toda a minha dor - sobre o tratamento psicológico e psiquiátrico que realizou.
style="width: 100%;" data-filename="retriever">
Foto: Pedro Piegas (Diário)
Kelen Giovana Leite Ferreira é uma das sobreviventes da tragédia e a segunda testemunha ouvida no julgamento. A fala durou duas horas. As defesas dos réus não fizeram nenhuma pergunta para ela.
- - Correr eu não consigo mais. A última vez que eu corri foi para tentar me salvar da morte - sobre limitações quanto ao movimento. Ela teve o pé direito amputado em decorrência das queimaduras.
- - Para conseguir uma prótese para fazer caminhada, atividade física, eu entrei na Justiça, fiquei esperando três anos. E toda vez que eu preciso de um componente, custam R$ 3 mil, R$ 5 mil - sobre a prótese que usa para caminhar.
- - Nessa viagem, acabou o oxigênio e revezaram entre um e outro (paciente). Podia ter morrido ali. A segunda vez - sobre a transferência hospitalar para Porto Alegre, após ser intubada.
- - Dor não é fazer um vídeo e chorar. Dor é quando eu me olhei muito tempo no espelho e chorei por ter ficado assim - sobre o documentário feito pela defesa de Elissandro Spohr, sem citar o nome do réu, e as marcas de queimaduras que tem nos braços.
- - Não aceito nenhuma solidariedade dos advogados. Não aceito. (Não fizeram perguntas) talvez porque eu fosse incriminar mais ainda os clientes deles - ao Diário, após o testemunho, sobre os advogados de defesa não realizarem questionamentos "em respeito à vítima".
style="width: 100%;" data-filename="retriever">
Foto: Reprodução (TJRS)
Emanuel de Almeida Pastl virou engenheiro de segurança após o incêndio. Ele é a terceira vítima a ser ouvida e a primeira pessoa a falar no segundo dia de julgamento. Seu depoimento durou cerca de uma hora e meia.
- - Quando deu o princípio de incêndio não soou nenhum alarme, não tinha claridade na rota de saída de emergência e também não tinha iluminação - sobre a estrutura da boate.
- - Quando saí estava com os olhos queimados, então eu via fumaça em todos os lugares, até comentei isso no hospital com o meu colega de quarto - sobre a situação ao sair da boate.
- - No hospital, deitei na última maca disponível, e lembro de chegar mais e mais pessoas, bastante machucadas. Também lembro, do hospital, que um dos funcionários estava em estado de choque - sobre a chegada ao hospital.
- - A fiscalização é um conjunto de órgãos. Não sei a quem se aplicava essa legislação na época, mas alguém da prefeitura deveria ter esse controle em conjunto ou não com Corpo de Bombeiros. O CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) também tem dever de fiscalizar - sobre os responsáveis pela fiscalização.
style="width: 100%;" data-filename="retriever">
Foto: Reprodução (TJRS)
Jéssica Montardo Rosado foi a quarta vítima ouvida, e o segundo depoimento desta quinta-feira. O seu irmão, Vinícius, morreu após salvar 14 pessoas do incêndio. Ela falou durante cinco horas.
- - Estava quase colada no palco. Começou a tocar um funk, e foi daí que aconteceu tudo. Eu vi a hora que ele botou a luva (com o artefato pirotécnico). Eu vi tudo, vi acenderem o fogo. Primeiro o Luciano pegou a luva, colocou no braço do Marcelo, e depois ele (o Marcelo) ergueu - sobre o momento que o fogo de artifício foi aceso.
- - Eu vi que o Marcelo colocou o microfone no chão e gritou. Ele olhou bem no meu olho e gritou: "sai!". Virei as costas, saí de onde estava e me direcionei para a porta. Tentei procurar o meu irmão, mas tinha muita gente. Alguém me empurrou e disse para eu sair. Eu só segui o fluxo. - sobre quando percebeu o incêndio.
- - Não sei quem contou, nem o porquê, mas relatos de bombeiros e outras pessoas dizem que meu irmão salvou cerca de 14 pessoas, porque cada vez que ele ia (dentro da boate), voltava com dois. Ele voltou várias vezes e salvou várias pessoas- sobre o irmão.
- - Para nós, o que existe é responsabilidade da prefeitura, não culpa - sobre a fiscalização dos órgãos públicos.
style="width: 100%;" data-filename="retriever">
Foto: Reprodução (TJRS)
O terceiro depoimento da quinta-feira foi do engenheiro responsável pelo projeto acústico da boate, Miguel Ângelo Teixeira Pedroso. Por conta da idade, ele teve prioridade e pôde ser chamado antes das demais testemunhas e vítimas.
- - Na primeira vez que fui fazer isso, o local mais crítico era onde tinha a parede de madeira. No quarto da pessoa que reclamava, o volume estava em 52 (decibéis). Eu disse que tinha que colocar alvenaria no fundo, e ele disse (Kiko) que queria colocar espuma. Eu disse que espuma não adiantaria. Só um leigo poderia achar que espuma seria conveniente dentro de uma boate - sobre materiais utilizados para o isolamento acústico.
- - Eu acompanhei também a execução da obra quase diariamente. Depois de finalizada, no início de 2012, o Elissandro entregou uma cópia para a promotoria, que tinha firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Passado um mês, fiquei sabendo que o Ministério Público queria fazer uma visitação na obra para ver se foi feito tudo como previsto. Acompanhei a equipe do promotor, que foi lá, tirou fotografias, fiscalizou e estava tudo de acordo com o que estava previsto no projeto, sem nenhuma espuma - sobre as obras do projeto acústico que desenvolveu.
- - Em nenhum momento, pelo que acredito em termos técnicos em relação ao isolamento acústico, já que não é eficiente - ao ser questionado se recomendou o uso de espuma acústica.
style="width: 100%;" data-filename="retriever">
Foto: Reprodução (TJRS)
Lucas Cauduro Peranzoni, era o DJ que iria tocar na Kiss na noite do incêndio. Foi a quinta vítima a ser ouvida, e o último a falar na quinta-feira.
- - Quando tocou a música, ele (Marcelo) colocou a luva. Eu percebi o que estava acontecendo quando tentaram apagar. Tentaram o extintor e não conseguiram. Meu colega veio pedir o extintor que estaria onde eu fico, mas não deu tempo - sobre o início do incêndio. Ele afirmou não se lembrar se havia de fato um extintor ali.
- - Porque eu conhecia ela - quando perguntado se ele conseguiu sair do incêndio por sorte ou por ser familiarizado com a boate.
- - "Perdi muitos colegas, perdi muitos amigos, perdi conhecidos de casa", sobre as outras vítimas.